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quinta-feira, 30 de agosto de 2012




As seis cordas mágicas
Fernando Henrique Paul


Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sim, seis. O quê? Seis cordas. Seis cordas amarradas 

num pedaço de madeira. Simples, não é mesmo? Talvez. Depende da perspectiva, ou não. 

Para eles, esse objeto não tem nada de simples, muito pelo contrário. De quem estou 

falando? Calma, ainda está no começo da reportagem, quanta impaciência. É chato não 

entender direito o que dizem, não acha? Deve ser. Tudo bem: são guitarristas.

Os guitarristas formam uma tribo à parte. Têm um linguajar próprio, manias próprias e um 

amor singular ao seu instrumento. Adoram trocar idéias com outros do meio e são viciados 

em equipamentos. Ficar perto deles pode levar à loucura. É sério. Fica-se com cara de bobo, 

não se entende as piadas, e quando vai embora, sai com as bochechas doendo de tanto dar 

risada. Risadas forçadas. Não é uma experiência das mais confortáveis, eu que o diga. Não 

entender direito o que dizem é chato, realmente.


História



Estima-se hoje que exista mais de 50 milhões de guitarristas no mundo. Durante o século 

20, a guitarra foi estabelecida como um dos instrumentos mais populares. Sofreu mudanças 

radicais, sendo hoje uma fonte inesgotável de timbres e dinâmicas. Os modelos elétricos 

foram lançados em 1930, como resultado de experimentos com a amplificação de 

instrumentos. Atualmente, a guitarra é usada nas mais variadas formas e estilos de 

composição, aparecendo desde a música Barroca, passando pelo Jazz, Blues e até o Rock'n 

Roll.

Por que alguém começa a tocar guitarra? Nada melhor que perguntar a um iniciante: “Foi 

depois que ouvi Eruption do Van Halen, mas foi uma decisão difícil. Eu tinha 11 anos, e fui 

marcado por algo que ouvi de um professor de guitarra. Ele disse que aos 15 anos sua única 

obrigação era estudar. Então, depois de voltar do colégio ao meio-dia, estudava 15 minutos 

e ficava até meia-noite praticando guitarra. Assim acabou perdendo os amigos, pois não 

saía de casa antes de executar os exercícios perfeitamente. Como disse, isso me marcou. 

Hoje tenho 13 anos e estudo guitarra 6 horas por dia. Amo isso. Achava aquele professor 

um louco, mas hoje o entendo. Tocar guitarra é bom demais”, revelou Paulo Igor Wasabi. 

Cada história é singular, portanto não representa regra alguma. Mas histórias como a de 

Paulo são, no mínimo, intrigantes.


Paixão


Tocar guitarra, assim como qualquer aprendizado, apresenta dificuldades. Porém, ao sentir a 

evolução, a paixão aumenta. Com o tempo, o estilo individual vai sendo lapidado e a música 

enriquecida. “É impressionante o poder dessas seis cordas”, diz Francisco Fernandes, com 

sua guitarra no colo. “É maravilhoso se expressar através delas. Quando estou fazendo um 

solo ou improviso, esqueço de tudo, fecho os olhos, e me deixo levar. Me emociono de 

verdade. Saio renovado”, completa.

Tocar guitarra pode ser inclusive uma terapia, traz alívio ao estresse do dia-a-dia. “Se reunir 

com amigos toda sexta-feira num estúdio é uma das coisas de que não abro mão. Deixo pra 

trás toda chateação da semana, e me divirto muito. Toco sem fardo nenhum, não quero ser 

o melhor, nem aparecer. Guitarra é, antes de tudo diversão”, afirma Francisco.


Atritos


As vezes, a guitarra se torna tão importante na vida da pessoa que gera alguns atritos. 

Wilson Cardinolli conta sua experiência: “Eu sempre fui muito apegado às minhas guitarras e 

minha namorada nunca reclamou. Mas de dois anos pra cá a coisa mudou, não sei o motivo. 

Já está me enchendo o saco. Tocar perto dela é impossível. Às vezes estou brincando com a 

guitarra desligada e ela fica aumentando o volume da TV, reclamando. Eu não agüento! Aí 

sim ligo a guitarra alto e ela para de frescura. Comigo não tem nem papo, se a mulher 

encrencar eu encrenco mais ainda. Me impedir de tocar minha guitarra é o mesmo que 

querer cortar meu peru. Fala sério...”.

Mas há também aquelas companheiras que dão apoio e gostam de participar da vida de 

seus maridos músicos: “Minha mulher é muito legal nesse aspecto. E é também bem 

racional. Por mim já teria comprado muito instrumento sem necessidade, mas ela me 

pergunta se realmente é importante e se vou usá-lo”, disse André Ferraz Maltocci. “Um dia, 

após nossa banda tocar, as esposas dos músicos se reuniram e começaram a bater papo. 

Quando chegamos elas estavam todas animadas, e o assunto era a obsessão que todo 

músico tem em comprar equipamento. Elas estavam fazendo uma análise psicológica de 

porque nós temos essa característica e tiravam sarro das coisas que a gente comprava e 

nem sabia pra que servia”, conta Maltocci.


Doença do consumismo musical


Essa particularidade dos guitarristas em comprar equipamentos sem muito critério 

denomina-se GAS. Do inglês, Gear Acquisition Syndrome (Síndrome de Aquisição de 

Equipamentos). É uma espécie de doença e grande parte dos músicos são “infectados”, 

especialmente os que já têm predisposição. Resultado: se viciam em equipamentos. Mesmo 

já tendo um set completo continuam a comprar coisas e mais coisas. É algo quase natural, 

não depende deles. Os sintomas são vários. Luiz Souza Ferrata enumerou os seus: “Entro 

em sites de instrumentos pelo menos 20 vezes ao dia. Todo o dinheiro extra que recebo – 

como restituição de Imposto de Renda, horas extras, prêmios por produtividade – é sempre 

gasto nos meus “brinquedinhos”. Constantemente digo à minha esposa: agora está 

completo, não preciso de mais nada. Mas dois dias depois eu apareço com algo novo. Ela 

não aguenta mais, disse que se continuar assim vai me despejar de casa! (risos). O pior é 

que não sou rico, sou doente mesmo. Todo mundo diz: esse cara é maluco, tem 4 guitarras 

e não tem carro...”. São doentes, sim, mas doentes felizes que zombam deles próprios.



Curiosidade


Como em todos os setores, os guitarristas têm divergências de gostos e opiniões. Alguns 

grupos mais “radicais” criaram denominações próprias, excluindo e atacando as outras. É 

uma batalha saudável. São três as maiores facções:

Pedreiros: Adeptos das guitarras Gibson e amplificadores Marshall (combinação imortalizada 

por bandas como LED Zeppelin e ACDC). Defendem um som crú, e se vangloriam de usarem 

guitarras de difícil tocabilidade e pesadas (passam de 10kg), como as Gibson. Afirmam que 

só homens de verdade para tocar um show inteiro com uma delas nos ombros e depois não 

reclamar de dor.

Lenhadores: Usuários do modelo Stratocaster, da marca Fender. Têm como seu ídolo nada 

mais que Jimi Hendrix, considerado o maior guitarrista de todos os tempos. De modo geral 

convivem bem com os Pedreiros, já que ambos os grupos usam instrumentos consagrados 

pela história da música.

Talibanez: Defensores das guitarras de marca Ibanez, que produz modelos mais modernos 

indicados para estilos atuais. É usada em geral por virtuosos contemporâneos, como Steve 

Vai e Joe Satriani. São de longe os mais atacados pelos Pedreiros e Lenhadores, sendo 

acusados de esquecer do sentimento e da essência da música e só se importarem com 

velocidade e milhões de notas por segundo. Sofrem “zombações” do tipo: “Fazem música de 

vídeo-game”; “Usam guitarras de plástico”; “Acham que música é Fórmula 1”. Porém os 

Talibanez são os que mais crescem, já que os iniciantes em geral se deslumbram com esse 

mundo cheio de agitação e adrenalina.

Ainda há muito para falar sobre os guitarristas, mas creio já ser o necessário para não ficar 

com cara de bobo em uma roda deles. Você mudou seu conceito sobre guitarra? Não? Sem 

problemas. Mas que ao ouvir o próximo solo de guitarra, você preste atenção. Sinta o que 

ele irá transmitir. Se não gostar, não faz mal, esqueça. Mas dê uma chance à guitarra. 

Deixe-a mostrar que é capaz de emocionar. Deixe-a revelar o poder de suas seis cordas. 

Cordas que, como você viu, mudam vidas. Cordas abençoadas. Cordas mágicas.



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